Villa Tugendhat de Mies van der Rohe e outras joias de Brno

Villa Tugendhat é daqueles marcos que sempre aparecem nos tratados de arquitetura como grande exemplo do funcionalismo, e presença frequente na seleção das melhores obras do conhecido arquiteto e designer industrial Ludwig Mies van der Rohe. No entanto, é raro ler sobre a fascinante história dos seus proprietários, abordada neste artigo, assim como a Villa Tugendhat e outras visitas interessantes em Brno.

Por: Pepa Garcia

Publicado: Abril 21, 2021

Qualquer ocasião é boa para visitar a cidade tcheca de Brno e conhecer a Villa Tugendhat, que neste 2021 comemora o 20º aniversário da sua inclusão na lista do Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco.

A vila ficou conhecida pelo sobrenome de sua proprietária, a família Tugendhat. Fritz Tugendhat e sua esposa Grete, ambos de Brno, vinham de linhagem de comerciantes e industriais judeus alemães. Pode-se dizer que a história da vila começou a ser escrita durante o primeiro casamento de Grete, então Löw-Beer (sobrenome de solteira), com o industrial Hans Weiss. A  residência desse casal, na Alemanha, foi essencial para o interesse de Grete pela arte e arquitetura contemporâneas. Durante esse período, ela visitava regularmente uma casa que Ludwig Mies van der Rohe havia projetado para um negociante de arte - à época, na casa vivia Eduard Fuchs, historiador e colecionador de arte. Após o divórcio, Grete voltou para Brno e casou com Fritz Tugendhat, que conhecia desde a infância. Ambos deixaram claro o desejo de que a casa da família fosse projetada por seu idolatrado Mies van der Rohe, mas ele tinha que ser convencido...

A convite do casal, em 1928 Mies van der Rohe visitou Brno e ficou impressionado com o terreno da futura residência dos Tugendhat. Sobre pequena colina, localizado no bairro residencial de Černé Pole, o terreno descortinava belas vistas do centro histórico da cidade, localização que Mies van der Rohe adorou. O terreno foi presente dos pais de Grete, que mais tarde financiaram a construção da residência. A Villa Tugendhat foi construída em apenas 14 meses, e no final  de  1930  o  casal  já  morava nela. Começava fase feliz, na qual o  casal e os três filhos desfrutariam de todo o conforto. A tranquilidade não durou muito, pois em maio de 1938, diante da ameaça de guerra (2ª Guerra Mundial), o casal decidiu fugir para a Suíça. Três anos depois chegaram à Venezuela, onde tiveram mais dois filhos.

O toque de Mies van der Rohe nos interiores da Villa Tugendhat

O arquiteto e designer alemão Ludwig Mies van der Rohe foi um dos pioneiros da arquitetura moderna, além de último diretor da Escola Bauhaus. Villa Tugendhat foi uma de suas grandes obras-primas, talvez a maior na Europa, e o único monumento da arquitetura moderna na República Tcheca inscrito na Lista da Unesco.

Grete ansiava por uma casa espaçosa e moderna, com formas claras e simples. “Horrorizava ao meu marido a ideia de ter salas cheias de objetos e tecidos como ele conhecia desde a infância”, disse certa vez Greta. Mies van der Rohe concebeu um projeto de arquitetura funcionalista onde prevalecia a otimização do espaço e o aproveitamento da luz solar – a vila tornou-se obra de arte a dialogar com a natureza circundante. No piso térreo, os quartos fluíam de um para o outro, fundindo-se com o jardim através de enormes janelas de vidro, retráteis. Esse não foi o único avanço. A estrutura foi construída em aço - algo incomum em residências particulares -, foi instalada calefação e refrigeração a ar, e até fotocélula na entrada.

Os materiais usados na Villa Tugendhat eram da mais alta qualidade - ônix do Marrocos, travertino da Itália e vários tipos de madeiras exóticas, como ébano de macassar, madeira zebrano e pau-rosa, dentre outras. O custo da monumental parede de ônix, criada para refletir a luz cálida do entardecer, equivaleu ao custo de uma habitação social da época. O arquiteto definiu cada detalhe - a estante de madeira de ébano, do chão ao teto; as maçanetas das portas, os móveis etc. Muitos dos detalhes ele coletou, por exemplo, com Walter Gropius, Poul Henningsen e em empresas tchecas como Rako e SBS. Lilly Reich, designer alemã intimamente associada a Mies van der Rohe por mais de dez anos, colaborou no design de interiores e é creditada por vários elementos da mobília da vila.

Fritz Tugendhat ficou agradavelmente impressionado com o resultado. Foi muito mais do que ele sonhara: “Quando reflito sobre o cenário desses quartos e tudo o que eles contêm, sinto intensamente que isso é Beleza, isso é Verdade. Cada um que olhar estas salas, cedo ou tarde chegará à conclusão de que é aí que reside a verdadeira arte”.

O que aconteceu com Villa Tugendhat depois que seus proprietários migraram

Após a partida da família Tugendhat, a aldeia foi confiscada primeiro pela Gestapo e depois pelo exército russo. Um relatório de 1945, após a guerra, indica que o interior fora  quase destruído, os móveis serviram como lenha, as janelas foram quebradas e alguns quartos usados ​​como estábulos.

Após alguns pequenos arranjos, foi instalada na vila uma escola particular de dança e depois um ginásio estadual, mas as iniciativas para salvar a vila não cessaram e, por volta dos anos 60, ela foi declarada Patrimônio Nacional. A profunda renovação realizada entre 1981 e 1985 pelo atelier Kamil Fuchs recuperou parte do seu esplendor. Entre 2010 e 2012, réplicas dos móveis originais foram acrescentadas. Grande parte da mobília foi salva quando a família Tugenhat a levou consigo para o exílio. Algumas das peças estão na vila e fazem parte da atual exposição.

Fato interessante sobre a vila é que os primeiros-ministros tcheco e eslovaco se reuniram lá em 1992, para acordar a divisão da então Tchecoslováquia. Eles assinaram o documento sobre a mesa que Mies van der Rohe ancorou no chão para que ninguém se atrevesse a movê-la para outro lugar da sala. Em 1993, a vila se tornou um dos espaços mais privilegiados de Brno para  a organização de eventos culturais. Finalmente, em 16 de dezembro de 2001 a Villa Tugendhat  foi inscrita na Lista da Unesco.

Para encerrar a história, por ocasião da abertura da casa ao público em 2012, vale destacar as emocionadas presenças de Daniela Hammer-Tugendhat e Ruth Guggenheim-Tugendhat, filhas (já nascidas no exílio) dos legítimos proprietários da vila. Entre seus desejos, destacaram “como devolver vida à casa? Não vai viver aqui uma família, mas gostaríamos, por exemplo, que fossem realizados encontros de arquitetos, para que houvesse vida de novo”. Esse desejo foi satisfeito, já que agora a vila é palco para exposições, visitas e atividades culturais que em 2021, aos poucos, voltarão ao normal.

Outras vilas em Brno

Se você gosta de arquitetura, é aconselhável visitar três outras magníficas vilas, todas elas em Brno: Stiassni, Löw-Beer e Jurkovič.

  • Vila Stiassny. Proposta funcionalista do arquiteto Ernst Wiesner, cujo jardim tem a assinatura de Otto Eisler.
  • Vila Löw-Beer. Uma das primeiras a ser construída no bairro de Černá Pole, onde fica Tugendhat. Pertenceu a Moritz Fuhrmann e foi projetada no estilo art nouveau pelo arquiteto vienense Alexander Neumann. Acabou sendo propriedade do pai de Grete Tugendhat.

  • Vila Jurkovič. Assemelha-se a uma cabana alpina e foi construída pelo arquiteto Dušan Jurkovič, para moradia própria. Tem o mesmo estilo da Vila Löw-Beer e está situada junto a um bosque e a um rio.

 

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