Santa cerveja
Desde priscas eras, monges de diversos mosteiros tchecos se dedicavam a produzir cerveja. Várias delas sobreviveram aos dias de hoje.
Por: Luiz Fernando Destro
Publicado: Dezembro 04, 2020
A vida de um monge, morador de um mosteiro, devia ser algo enfadonha. Sem as distrações de uma esposa e filhos, sobraria muito tempo para outras atividades. Em mosteiros mais meridionais, os monges se dedicavam a produção de vinho. Mas, com o clima mais temperado da República Tcheca, essa não era a melhor opção. O ofício de tantos monges era, na verdade, ela – a cerveja.
Era uma relação ganha-ganha. Os monges ocupavam seu tempo, enobreciam-se com o trabalho diligente e, como consequência, dispunham de uma deliciosa bebida, que a miúde era vendida e gerava uma renda para o monastério.
Entre os clientes das santas cervejas estavam os comerciantes da cidade, viajantes eventuais, mas também reis, nobres e, alguns séculos depois, intelectuais como o escritor e poeta Jan Neruda.
Há, na história, relatos de tretas entre os produtores locais e os monastérios, com os primeiros pedindo restrições ao produto dos segundos. Aparentemente, a cerveja dos monges era melhor, ou mais barata, já que a mão de obra era gratuita...
Com o declínio do poder religioso, e por consequência dos monastérios, a produção da cerveja ficou ameaçada e, em muitos locais, de fato sumiu. Mas na República Tcheca, seja por vocação nacional, seja por pura sorte, alguns rótulos permaneceram. E estão disponíveis até hoje!
É o caso, por exemplo da Svatý Tomaš, a cerveja de São Tomás, produzida por séculos no mosteiro agostiniano de Malá Strana. Uma lager escura que era vendida ao rei da Boêmia, e mais tarde foi motivo de encontros de intelectuais do bairro, Neruda incluído. O mosteiro quase desapareceu, mas foi salvo por uma revitalização que transformou a maior parte do monastério em um hotel cinco estrelas, o The Augustine. A produção da cerveja de São Tomás foi realocada, mas a venda é exclusivamente feita no bar e restaurante do hotel.
Outro antigo mosteiro que mantém sua cerveja é o de Břevnov que, por sinal, é o mais antigo de Praga – data do século 10, e desde esta época com a cervejaria a reboque. Ali, além de visitar as dependências do mosteiro, que é uma atração por si só, e muito pouco muvucada, dá também para se refrescar na cervejaria do mosteiro, escolhendo uma das muitas opções da Cerveja Bendita (o monastério é beneditino, daí o nome).
E, para fechar a tríade, outro mosteiro, outra cervejaria, outra(s) cerveja(s). Falo agora do monastério de Strahov, no bairro do castelo. Os monges de lá também produziam sua cerveja, que era dedicada a São Norberto. O mosteiro ainda existe, com sua bela igreja e a espetacular biblioteca, com duas salas – a teológica e a filosófica – ambas maravilhosas e merecedoras de uma visita. Sobre a cerveja de São Norberto, é oferecida no restaurante que fica no pátio do mosteiro, o Strahov Klasterní Pivovar - literalmente cervejaria do monastério de Strahov. E aqui a cerveja possui variações, indo da lager loira até a escura, com escala nos meios-tons.
Enfim, se sua viagem inclui no programa deliciar-se com cervejas tradicionais, considere as santas cervejas produzidas nos monastérios. Com perdão do trocadilho, o sabor é divino.