Capítulo 10 - Zpět na začátek (De volta ao início)

A saga desencontrada de Carlos e Lara chega ao fim. Depois de vários dias em um jogo de gato e rato, descubra o que acontece com os dois amigos no final folhetinesco da história.

Por: Luiz Fernando Destro

Publicado: Setembro 10, 2021

Carlos passou pela porta de entrada do hotel Royal Court, e procurou Lara com os olhos no saguão. Mas afora uma senhora já idosa e um par de homens engravatados, não havia mais ninguém.

Perguntou na recepção se alguém havia deixado algum recado e, após algum tempo procurando, o rapaz atrás do balcão estendeu um papelzinho para Carlos.

O coração palpitou enquanto desdobrava a folha mas, antes que lesse, o recepcionista acrescentou:

- Foi deixado há alguns dias, por telefone.

Era o recado que Lara havia ditado com Rosita quando estavam em Karlstejn, dizendo que voltaria ao hotel naquela noite. Mas três noites já haviam se passado desde então – e Lara não havia voltado. Amassou o bilhete e atirou no cesto de lixo ao lado do balcão.
Subiu para o quarto. Talvez Lara estivesse lá.

*****

Lara passou pela porta de entrada do hotel Royal Court e correu para o balcão da recepção, em busca de algum recado.

- Não há nenhum recado – Era o mesmo rapaz da recepção que atendia Lara – O único que havia eu entreguei para o senhor que passou aqui há pouco.

Lara rapidamente juntou os pontos. Era Carlos, que recebeu o recado antigo que ela deixou. Ele estava perto. Talvez no quarto!

Lara saiu correndo, entrou no elevador e apertou o botão do segundo andar. A porta se fechou, e Carlos apareceu no saguão, após descer dois andares pelas escadas.

*****


Lara abriu a porta do quarto em um impulso tão enérgico que fez a maçaneta bater na parede. Mas dentro do cômodo não havia ninguém.

Lara deixou os ombros caírem, frustrada, mas então percebeu algo. A cama que Carlos dormia estava com a coberta enrugada, como se alguém houvesse sentado ali. E a mala de Carlos, que ela lembrava estar fechada quando saíram, agora estava aberta.

Dentro da mala, a camiseta polo que Carlos usava no dia em que se separaram. E, sobre ela, um mapa. Um pedaço de papel que Lara conhecia bem.

Quando decidiram ir para a República Tcheca, Lara e Carlos procuraram o escritório de turismo tcheco no Brasil para pedir informações.

Além de diversos folhetos, ganharam um mapa de Praga. Conforme liam sobre os lugares, Lara e Carlos marcavam no mapa aqueles que queriam ver. Lara marcava com caneta vermelha, e Carlos usava uma hidrográfica verde. Logo descobriram que os dois não coincidiam em quase nada nas suas listas de desejos. Lara sempre procurava as atrações mais históricas e clássicas – como Relógio Astronômico que viram na primeira noite – enquanto Carlos se encantava com os lugares alternativos e pouco conhecidos. Ao final, o mapa era um amontoado de marcas vermelhas e verdes disparatadas.

Era esse o mapa que Lara estava olhando. E, provavelmente, era o mapa que Carlos olhara alguns minutos antes. A conclusão era óbvia.

Carlos voltara a Praga, desistira dela e iria visitar os lugares que ele queria conhecer em Praga.

Lara precisava encontrar Carlos. E agora tinha um mapa para isso.

*****

Saindo do hotel Royal Court, Carlos tinha um mapa em sua cabeça. Sem notícias de Lara no hotel, ele sequer sabia se ela estava na cidade. Mas, se estivesse, certamente iria visitar os lugares que havia marcado com caneta vermelha no mapa. Carlos anotou quais eram e, com sorte, encontraria Lara em algum deles.

Sem sorte, veria belos lugares, ao menos.

A primeira parada era o Castelo de Praga, onde deveriam ter ido havia quatro dias. Curiosamente, ao perguntar ao concierge do hotel como chegar lá, descobriu que bastava pegar o bonde nº22 que passava praticamente na porta do hotel.

Lara nunca teria tomado o ônibus errado, se tivessem tomado o bonde certo.

*****


Carlos havia marcado vários lugares no mapa, mas Lara não sabia qual ordem ele iria seguir. Porém, conhecendo um pouco o amigo (só amigo?), esperava que ele fizesse um roteiro partindo do lugar mais próximo para o mais distante. Ao menos era assim que faziam quando iam passear no shopping.

Por essa lógica, a primeira parada seria a torre de Žižkov. Não tinha ideia do porquê Carlos queria ver essa estrutura enorme, feita nos anos 70 em estilo funcionalista socialista. Certamente a vista do observatório deveria ser linda, mas a feiura da estrutura era um contraste gritante com a beleza da cidade.

Enfim, esse era o Carlos, sempre atrás do diferente. Talvez quisesse ver os bebês gigantes de David Černý escalando a torre. Lara perguntou ao concierge do hotel como chegar a Žižkov, e ele recomendou o bonde nº22 – no sentido oposto ao Castelo.

*****

Carlos entendeu por que Lara queria tanto conhecer o Castelo de Praga. Era de fato um local belíssimo, no alto do morro, ao lado do rio.

De todos os edifícios que formavam o conjunto, a Catedral e São Vito era o que mais se destacava. Mas não considerou entrar. Primeiro, porque tomaria um tempo enorme olhar dentro de cada edifício do Castelo – era um monumento gigantesco. E, depois, com tanta gente andando por ali, as chances de encontrar Lara eram as mesmas que tinha de encontrá-la no show em Ostrava. Mas aqui não havia banheiros químicos para ajudá-lo.

Passou pelos pátios e seguiu em direção à saída da torre Daliborka. A próxima parada era Malá Strana e a igreja de São Nicolau.

*****


Do alto da torre de Žižkov, Lara apreciou a vista da cidade. Ali era o ponto mais alto de Praga e ela, ultimamente, tinha tido uma predileção por alturas.

E agora estava ela em outro mirante, o monumento de Vítkov. Se não era tão alto quanto Žižkov, era uma vista igualmente bela. Ao seu lado, uma gigantesca estátua equestre guardava um mausoléu de pedra clara.

Lara olhou a cidade se derramando abaixo, e pode ver o rio Moldava e suas diversas pontes. Reconheceu imediatamente as estátuas que enfeitavam as pilastras da Ponte Carlos, e se deu conta de que não a havia conhecido ainda.

Em uma novela, o último capítulo aconteceria lá. A ponte vazia, o sol se pondo, ela aparece de um lado, ele do outro. Olham-se nos olhos, começam a correr e finalmente se abraçam e se beijam, selando um amor eterno.

Mas para Lara isso dificilmente aconteceria. O sol estava alto. A ponte estava cheia. E ela não estava lá.


*****


Carlos chegou à ponte Carlos, depois de caminhar por Malá Strana e passar pela igreja de São Nicolau. Nem sinal de Lara nesses dois lugares e sua sorte não parecia que ia melhorar agora. A ponte estava abarrotada de gente, turistas de todos os tipos se espremendo entre vendedores ambulantes, músicos de rua, pintores e desenhistas, em um vai-e-vem desenfreado sob o sol que ia alto no céu. Se Lara estivesse ali, seria fácil não vê-la. Ainda que, para seus olhos, ela sempre se destacasse.

Atravessou a ponte, desviando da multidão. Ao contrário das novelas, era impossível ter um happy ending ali.

*****


Lara agora olhava para um grande zepelim de madeira, ancorado no telhado, entre dois edifícios. Estava no bairro de Holešovice, olhando para a Galeria de Arte DOX. Carlos marcara esse lugar no mapa porque achou inusitado o tal zepelim, e também porque gostava de arte contemporânea. E Praga, apesar de tantos locais históricos, tinha um lado moderno. E a DOX era o símbolo disso.
Mas, novamente, nada de Carlos.

*****

Passada a ponte, Carlos chegou na Cidade Velha e reconheceu as ruas onde tinha estado com Lara na primeira noite. Era praticamente o único lugar que tinham visto juntos, então seria o último onde ela estaria.

Fez uma curva para a direita, através de diversas ruas estreitas, povoadas de transeuntes e lojinhas, até chegar em uma área ampla, bem larga, um grande boulevard. Ao fundo, após um leve aclive, se via um edifício suntuoso e, na sua frente, uma estátua de um cavaleiro montado. Estava na Praça Venceslau.

Lara tinha um desejo especial em conhecer esse canto de Praga, por toda a história que ela (a praça) viveu. A Primavera de Praga, por exemplo. Ou a Revolução de Veludo. Ou simplesmente a festa quando a República Tcheca ganhou medalha de ouro no hóquei sobre o gelo em cima da Rússia, na Olimpíadas de Inverno de Nagano, em 98.

Lara sabia de tudo isso. E por causa dela Carlos sabia também.

Carlos virou à direita novamente, e entrou na Avenida Nacional, rumo ao Teatro Nacional, às margens do rio Moldava.


*****


O penúltimo lugar que Carlos havia marcado no mapa era Karlín. E era lá que estava Lara. O antigo bairro industrial foi praticamente destruído por uma enchente em 2002. O que na verdade foi bom negócio. Os antigos e deteriorados armazéns foram substituídos por prédios modernos e atraíram a turma dos descolados e empresas jovens da nova economia.

E, onde tem descolados e jovens, tem boa cerveja. Lara estava tomando uma, enquanto se recuperava da maratona e verificava no mapa o último lugar marcado em verde.

Era tudo ou nada. Pagou a cerveja e partiu. 


*****


Carlos chegou na margem do rio, onde o teto dourado do Teatro Nacional reluzia com a luz da tarde, que também cintilava nas águas do Moldava. Carlos virou à esquerda e continuou caminhando até avistar as linhas estranhamente curvas da Casa Dançante, um dos poucos edifícios modernos no centro histórico de Praga. A casa era uma das poucas concessões que Lara havia feito em sua lista de desejos para edifícios com menos de um século. E era de fato curiosa, dando a impressão de estar fora de esquadro.


Não estava. Assim como não estava Lara.

Carlos resolveu seguir pela margem do rio. Com o sol começando a descer, o dia estava agradavelmente fresco. E queria saber aonde iria chegar, se simplesmente seguisse a correnteza.


*****


A última parada de Lara era Vyšehrad. A única concessão no mapa de Carlos com mais de um século. Aliás, bem mais de um século. A antiga fortaleza havia sido construída no século X, antes mesmo do Castelo de Praga. Diziam que ali, em Vyšehrad, havia nascido Praga, por ordem da princesa Libuše. Segundo a lenda, ela tinha o poder da vidência e viu surgir na colina do outro lado do rio uma cidade grandiosa.

Lara estava olhando a tal colina, com o Castelo de Praga assentado sobre ela. Castelo esse que não chegara a conhecer de perto. O sol começava a cair por trás da Catedral de São Vito, e o céu passava do azul para o rosa, e dali para o rubor típico do poente.

Lara desejou que princesa Libuše estivesse ali para ver o seu futuro, e o de Carlos também. Seriam coincidentes? Poderia haver um final feliz para os dois? Com tudo que tinha acontecido nos últimos cinco dias, estava difícil acreditar.

Nas novelas, depois de dezenas de capítulos com problemas, as coisas se ajeitam magicamente no último capítulo, e o mocinho encontra a mocinha ao pôr do sol. Eles se olham, descobrem que se amam e se beijam apaixonadamente. E ficam juntos para sempre. Mas a vida não é uma novela... ou é?

- Lara?

A voz que a chamava parecia familiar.

- Lara! É você?

Lara virou-se abruptamente.

*****


Carlos seguiu pela beira do rio até chegar em uma grande muralha de tijolos. Uma escada de acesso permitia que ele subisse e, com o sol se pondo, a vista do alto devia ser linda. Algumas dezenas de degraus depois (ou teriam sido centenas?) e Carlos estava no alto da muralha, olhando o Castelo de Praga ao longe, com o sol se pondo em tons rosados por trás dele.

Suspirou, encantado pela beleza da cena. Tinha visto lugares lindos no dia de hoje – e também nos dias anteriores – e estava triste por não ter conseguido compartilhá-los com Lara. E bateu uma tristeza pela solidão em que estava. Aliás, uma solidão quase completa. Com o fim do dia, não havia ninguém no parque onde estava localizada a fortaleza de Vyšehrad. Só uma moça de cabelos castanhos claros estava um pouco mais a frente, de costas para ele. Uma moça de lindos cabelos claros... Cabelos estranhamente familiares, brilhando com a luz do sol poente. Seria possível? Isso seria um final de novela, mas a vida não é uma novela. Ou será que é?


- Lara?

Carlos chamou, incrédulo.

- Lara! É você?

Lara virou-se abruptamente, e respondeu:

- Carlos! Carlos, é você?!

Os dois começaram a correr um em direção ao outro, pisando nas folhas secas que cobriam o piso de paralelepípedos. O sol se punha atrás do Castelo, encerrando mais um dia de verão na capital da República Tcheca.

Carlos abraçou Lara. Lara abraçou Carlos. Pensaram em alguma coisa para dizer um ao outro. Pensaram e dizer quanta falta tinham sentido. Pensaram em abrir o coração e dizer que amavam. Pensaram em pedir para que nunca mais se separasse, e começassem a viver uma vida juntos.

Mas não foi necessário.

Lara e Carlos simplesmente se beijaram.

Depois de anos como amigos, e de dias de desencontro, os dois estavam finalmente reunidos, e não iriam mais se separar. A novela de uma vida juntos estava começando. E Praga – assim como toda a República Tcheca – havia sido apenas o primeiro capítulo.

 

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