Capítulo 7 - Barevna Ostrava (Ostrava colorida)

Lara e Álvaro seguem para Ostrava, e Carlos vai atrás deles, sem saber como encontrá-los. Lara logo percebe que a viagem com o ex-namorado foi uma grande roubada, mas como reencontrar Carlos entre dez mil pessoas? Por sorte, o amigo tem uma grande ideia – e uma disposição ainda maior. 

Por: Luiz Fernando Destro

Publicado: Setembro 11, 2021

Entre todos os restaurantes do mundo – ou de Olomouc – quais eram as chances de Carlos entrar exatamente naquele onde Lara havia estado havia meia hora? Ainda assim, lá estava ele, em frente a um chef tcheco e um jovem peruana, tentando entender os acontecimentos.

Demorou um pouco até conseguir organizar todos os fatos daquela manhã, agora já princípio de tarde. Mas finalmente conseguiu chegar no presente, quando Rosita o reconheceu da foto de Lara, e contou que ela havia partido para Ostrava, a convite de um conhecido que ela surpreendentemente encontrara na praça – no lugar de Carlos.

- Carlos, não se preocupe. Ele deixou um número de celular. Vamos ligar, não devem estar longe.

*****

A caminho de Ostrava, Lara está sentada no banco do passageiro de um carro esportivo, conversível e muito moderno. Isso era a cara de Álvaro, se exibir na viagem com um carrão alugado – e dirigir um Corsa no Brasil. Assim como era a cara de Álvaro se preocupar excessivamente com a marca de sua camisa, ou com o contracheque dos outros. E, como de hábito, ele não parava de falar – mais que tudo sobre ele mesmo, e sobre as coisas que fez nos meses após o fim do namoro com Lara.

Parou de falar um instante, olhando para o celular enquanto dirigia. O aparelho vibrava, indicando uma ligação. Apertou o botão vermelho e em seguida o botão de desligar.

- Quem era? – Lara perguntou.

- Engano – Álvaro respondeu com um sorriso forçado, antes de continuar a tagarelar.

*****

- Ninguém atende – O chef Jakub olhava para Carlos, desolado.

- Mas para onde estavam indo? Era algum hotel? Eu posso ir atrás deles, se souber onde estarão – Carlos procurava opções.

- Parece que iam para um camping próximo ao local do festival. Mas não sei exatamente onde. Mas estavam em um carro conversível, esportivo. Não deve haver tantos – Jakub tentava ajudar, limitando a área de busca.

A essa altura, Carlos já estava escaldado com a afirmação “não deve haver tantos”. Apesar de ser uma país pequeno, a República Tcheca se mostrara cheia de variações... Era melhor ter mais elementos antes de sair correndo.

- E essa pessoa que ela encontrou, esse conhecido. Vocês sabem o nome?

Foi Rosita quem respondeu:

- Era um nome com A... Alberto? Alcides... Amaro...?

- Álvaro? – O sangue de Carlos gelou com a sugestão.

- Isso! Álvaro!

Carlos saiu correndo em disparada pela porta do restaurante Chutě a vůně.

*****


O carro-ostentação de Álvaro chegou no portão de entrada do camping Barevná želva, que Lara descobriu mais tarde significar “tartaruga colorida”, em referência a vários banquinhos redondos de cimento espalhados pelo terreno, cada um pintado em uma cor viva.

Toda área do camping havia sido, no passado, o local de abrigo de antigos mineiros, que exploravam as minas de carvão próximas.

- Hoje não há mais mineração por aqui – Álvaro explicava com sua soberba natural, mas Lara sabia que ele só havia lido o folhetinho da recepção. E ela sabia que a antiga siderúrgica também não funcionava mais, e havia virado local de grandes eventos, como o show que estavam prestes a ir. O folhetinho era bem completo.

O que Lara não entendia eram as escolhas de Álvaro. Ele certamente gastou um bom dinheiro alugando o carrão conversível, mas merrecou na hospedagem, preferindo um camping simples a um bom hotel. Lara tinha certeza que Ostrava dispunha de ótimos locais de acomodação, e todos com bons banheiros. O camping da tartaruga colorida, por outro lado, tinha apenas um grande banheiro comunitário, com pouca privacidade.

Lembrou da primeira noite em Praga, do quarto de hotel que ela e Carlos dividiam, e o delicioso banho que tomou após a chegada. Ela era feliz, e não sabia.

Acordou do devaneio com Álvaro pedindo para ela se apressar. Tinham que ir para o show.

*****


Na ausência de um celular com acesso à internet, Carlos teve que apelar para o modo antigo de conseguir informações - o balcão de informações do centro de atendimento aos turistas. Pediu uma lista de campings nas redondezas da cidade. Recebeu meia dúzia de nomes e seus endereços. Agora, precisava descobrir qual deles seria a escolha do pernóstico Álvaro.

Olhou atentamente os nomes, e tentou imaginar qual um tolo convencido como Álvaro escolheria. Algo quer fosse diferente, ainda que estranho. Um nome que ele pudesse contar uma história mais tarde.

“Tartaruga colorida”. Carlos tinha um vencedor.

*****

O camping da tartaruga colorida não era longe da antiga siderúrgica, onde o festival de música acontecia. Uma trilha em meio a um pequeno bosque dava acesso ao local, então Álvaro pôde deixar seu carro, e junto com Lara caminharam em meio às árvores, o sol já baixo no horizonte.

Álvaro continuava matraqueando e, desde que se encontraram em Olomouc, ele havia falado, basicamente, dele. Em nenhum momento realmente quis saber algo sobre Lara, e sobre o que ela havia feito nos seis meses desde que se separaram. E isso era a cara de Álvaro, sempre preocupado consigo mesmo, e com a opinião dos outros sobre ele.

Carlos não era assim. Nos últimos seis meses ele tinha sempre estado próximo dela, e sempre mais preocupado com ela do que consigo mesmo. Carlos sempre fora um bom amigo, mas nos últimos meses ele tinha se superado na gentileza, no carinho e na atenção...
“Por que não é você que está aqui comigo...?” – Lara não pôde deixar de pensar. Ou seria desejar?

*****

O palpite de Carlos estava correto. O carro conversível incrivelmente extravagante estava parado no estacionamento do camping Barevná želva. Agora só precisava descobrir qual a barraca de Álvaro. O que era um problema, um camping não tem uma recepção com nome dos hóspedes. Tampouco se pode bater de porta em porta – sequer há portas. E, de todas as formas, o camping estava praticamente vazio.

Um retardatário explicou que todos já estavam a caminho da antiga siderúrgica.

O festival já estava começando.

*****


Um dos motivos que fez Lara querer ir para a República Tcheca foi a cerveja. Cremosa, saborosa, barata e – mais do que nunca – necessária. Álvaro não parava de falar dele mesmo, e de como ela deveria estar adorando estar com ele ali, em Ostrava, assistindo um espetáculo maravilhoso.

Lara já estava profundamente arrependida de ter aceitado o convite do ex-namorado. Teria sido melhor voltar a Praga e se resignar à perda do amigo Carlos, e ao fracasso retumbante de sua viagem. Agora, estava amarrada com Álvaro e seu imenso ego e, a cada minuto que passava, tinha mais certeza que tinha feito a coisa certa quando, seis meses antes, disse a Álvaro que podiam “continuar sendo bons amigos”. O que, aliás, era mentira.

Bom amigo era o Carlos. Ah, Carlos...

Lara pegou outro copo de cerveja e virou três grandes goles. Precisava de cerveja, muita cerveja.


*****


Carlos tinha um problema. Ou melhor, dez mil.

O festival de música era um grande evento na cidade. Mas também no país. E talvez na Europa. O público que se espremia nos pátios da antiga siderúrgica superava as dez mil pessoas. Achar Lara em meio àquela multidão seria procurar uma agulha em um palheiro de gente. E, pior, ele sequer sabia se Lara queria ser encontrada. Afinal, ela partira acompanhada de seu ex e, no final, talvez fosse o que ela queria desde o início. Rosita e Jakub garantiram que não, que Lara só havia partido porque acreditou que Carlos tivesse desistido, e que ela foi sem intenções românticas... mas quem sabe? Antigo amor, novo lugar, a chama reacende... Certamente a República Tcheca era o país para isso. Assim pensava Carlos quando entrou no avião com Lara, há alguns dias.

Precisava ter certeza se Lara queria ou não estar com ele. Mas, para descobrir isso, tinha que armar um plano.
Entrou no seu Skoda cinza e voltou ao centro de informações turísticas. Com sorte, poderiam arrumar para ele uma caneta e cinco blocos de post it.

*****

Após a quinta caneca de cerveja, Lara já se sentia mais relaxada. Mal ouvia o que Álvaro falava. Primeiro, porque a banda no palco tocava alto. Depois, porque simplesmente não se importava.

E por que não aproveitar a noite? Tentou entrar na onda e começou a cantar junto com a banda – e com as outras dez mil pessoas.
Ao perceber que Lara já não prestava atenção, Álvaro parou de falar, e ficou atrás dela, ambos olhando o palco. Ela cantando, ele calado.

Lara adorava a banda que estava tocando, e nesse momento apresentavam a sua música favorita. A multidão estava enlouquecida, balançando de um lado para outro como uma entidade viva. Quando chegaram ao refrão, foi uma explosão de pulos e gritos. Lara percebeu que Álvaro estava mais próximo. Bem mais próximo.

E, sem cerimônia, a mão de Álvaro apertou o corpo de Lara onde não devia.

Lara virou-se e encarou Álvaro com fúria. Ele mostrava um sorriso arrogante, como se apenas tivesse pegado o que lhe pertencia.

Mas não pertencia.

Lara abriu a mão, até então fechada de raiva, e acertou uma bofetada no rosto de Álvaro. Em seguida, jogou em seu cara o resto da cerveja que havia sobrado no fundo do copo. Que já estava quente, como a cabeça de Lara.

*****

Havia dado trabalho, mas ele tinha conseguido. Carlos acabara de colar o último post it. Agora, iria para Brno. A partir de agora, era tudo ou nada.

*****

Após a bofetada em Álvaro, Lara saiu correndo. Primeiro, porque precisava se afastar do ex-namorado tóxico. Depois porque as cervejas estavam cobrando seu preço, e precisava ir ao banheiro.

Que grande erro que ela havia cometido, pensar que Álvaro havia mudando de alguma forma. Esnobes convencidos como ele não mudam

– apenas pioram, e aprendem a camuflar melhor. Pensou que Carlos jamais faria algo parecido. E então se sentiu triste. Carlos não faria ... mas por educação? Ou falta de desejo?



Agora Lara estava em plena Silésia, longe de Carlos e perto do ex. Tudo estava dando errado, e ela precisava começar a fazer as coisas darem certo. Mas, antes, tinha que fazer xixi. Era urgente.

Com dez mil pessoas na antiga siderúrgica, a organização do evento precisou alugar uma infinidade de banheiros químicos. Estavam todos alinhados junto a uma perde próxima à entrada, e Lara os havia visto quando chegara mais cedo. Se o mão-de-vaca prepotente do ex-namorado tivesse alugado um quarto de hotel, ela teria um banheiro confortável à disposição. Mas não, ele tinha que escolher um camping... de qualquer forma, com o tamanho atual da bexiga, ela não chegaria a tempo – nem no camping, nem em qualquer hotel. Os banheiros químicos eram a única opção viável.

Avaliou as opções disponíveis até encontrar um em estado razoável de limpeza. Entrou, virou, fechou a porta e se acomodou, tanto quanto é possível em um banheiro químico.

De repente, algo chamou sua atenção. Pregado no lado interno da porta, um post it amarelo, com uma letra que pareceu familiar, assim como o idioma usado.

“Lara: Brno, Praça do Repolho, amanhã, 12h. Carlos.”

Os olhos de Lara se iluminaram. Precisava correr. Mas antes precisava eliminar cinco cervejas.

*****


Enquanto dirigia seu Skoda cinza rumo a Brno, Carlos tentava imaginar se seu plano daria certo. Foram cerca de trezentos posts its, escritos um a um, e cuidadosamente pregados em todos os banheiros químicos da antiga siderúrgica.

Se havia um lugar por onde Lara certamente passaria era o banheiro. Ela sempre passava. Carlos não sabia se era algum tipo de ritual, ou apenas um caso clássico de bexiga pequena. Mas o fato é que sempre que saiam, Lara acabava indo a algum banheiro. E, se fosse em algum dos banheiros químicos da siderúrgica, veria sua mensagem.

Mas, se visse... será que ela iria a Brno?

A escolha do local não era por acaso. Brno era uma das cidades que Lara estava louca para conhecer, desde que apareceu na novela da TV Mundial. A amiga havia pesquisado e descoberto que Brno era uma cidade baladeira, e haviam incluído no roteiro que fariam depois de Praga. A Praça do Repolho tinha um significado especial para os dois, que acharam o nome engraçado e combinaram de tirar uma selfie no local, segurando um repolho, e postar nas redes sociais, para a diversão dos amigos.

Se Lara ainda quisesse saber dele, ela iria a Brno, e o encontraria na Praça do Repolho.

Se não quisesse, bastaria não aparecer.

*****

Lara precisava chegar a Brno, de algum jeito. Mas sua carona de volta, Álvaro, não era mais uma opção. E seu dinheiro no bolso estava contado – talvez pudesse pagar um hostel em Brno, mas certamente não daria para isso e um trem – se houvesse algum naquele horário.

Lembrou então de uma tarde de sábado, quando ela e Carlos estavam pesquisando sobre a República Tcheca, e Carlos reclamava da unificação trazida pela União Europeia.

- Tudo ficou muito igual – ele reclamava – tem padrão para tudo! Não tem mais aquele charme de ver coisas diferentes em cada país. É dinheiro, sinalização... até as placas de carro!

As placas de carro! Carlos mostrou naquele dia que as placas da República Tcheca seguiam o padrão europeu, mas ainda assim indicavam a cidade do veículo. Carros de Praga tinham a letra A, e os de Brno tinham... a letra B. Era isso!

Percorreu o estacionamento procurando carros com a letra B na placa, até achar um prestes a partir, com um grupo de meninas. Eram estudantes da Universidade de Brno, e estavam voltando mais cedo para o dormitório para não perder a aula do dia seguinte.
Lara tinha sua carona.

*****


Brno. Praça do Repolho. Exatamente ao meio-dia, Carlos está na fonte central, entre as barracas dos feirantes. Ao longe, um músico toca um violão, reproduzindo alguns sucessos que todo mundo conhece. Carlos olha para os lados, mas nem sinal de Lara.

Ele havia sido um tolo em pensar que ela largaria o ex-namorado e correria atrás dele. Estava claro agora que ela não queria saber dele

– nem como amor, nem como amigo.

Carlos sente o ombro ser tocado. Vira-se rápido e dá de cara com o músico com cabelo rastafari que há pouco tocava o violão.

- Você é o Carlos?

Diante da afirmativa, ele prossegue.

- Lara passou por aqui. Ela disse que se você ainda quiser, ela pode conversar com você essa noite.

- Mesmo? Mas onde? – Carlos agitou-se, e o músico respondeu com naturalidade:

- No bar que não existe.

 

Capítulo 8 - Zvony a nočni kluby (Badaladas e baladas)

A Estreia em 28 / 10


Já passou da hora (literalmente) de Lara e Carlos de encontrarem. Mas nada é simples para esse casal. Entre um circo de pandas e um lugar que não existe, os amigos precisam se encontrar na noite de Brno, ou pode ser o fim de uma linda amizade... e de um amor nascente.

Leia Backstage - Barevna Ostrava (Ostrava colorida)

Viva sua novela na República Tcheca

 

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