Sobre cervejas e adjetivos pátrios

Na República Tcheca, cerveja é um assunto muito sério, com nome e sobrenome.

Por: Colaborador Convidado

Publicado: Maio 06, 2020

Se você não sabe, deixa eu te contar: cerveja, na República Tcheca, é muito mais que uma bebida. É uma parte da identidade do país e de sua cultura. Não por acaso é chamada pelo trocadilho “patrimônio líquido” nacional.

Mesmo com todas as associações óbvias e merecidas com a diversão, a cerveja tcheca é um assunto muito sério. Há leis muito claras e detalhadas do que precisa ser feito – e do que não deve ser feito. Você não vai conseguir, por exemplo, abrir sua mini cervejaria artesanal e perfumar sua produção com toques de bacon. Ou açaí. Ou paçoca. Quer dizer, você até pode criar essas abominações, mas não vai poder chamá-las de ‘cerveja tcheca’, ainda que seja feita no meio da praça da Cidade Velha, embaixo do Relógio Astronômico.

Uma cerveja, para ter o direito legal de usar o adjetivo pátrio “tcheca”, precisa cumprir uma série de requisitos, que vão dos ingredientes envolvidos à forma de produção. Saia do caminho, e não recebe o certificado. E é sério – tem empresas grandes no país que não são avalizadas e não podem, por força de lei, se declararem tchecas. Ninguém quer uma breja ruim avacalhando a identidade cultural do país.

Mas se você for uma cerveja tcheca, há um outro adjetivo pátrio que você vai querer em seu rótulo: o da sua cidade. Porque podemos discutir se a cerveja tcheca é a melhor do mundo (eu voto sim); e depois podemos discutir qual das cervejas tchecas é a melhor (do mundo, se você também votou sim na questão anterior).

E aqui já aparece uma diferença dos tchecos para o mundo:  em todo o globo terrestre, Brasil incluído, o termo “cerveja pilsen” é usado para determinar a cerveja loira de baixa fermentação, que foi feita pela primeira vez na cidade de Pilsen, República Tcheca, em 1846. Mas lá na Tchéquia, a cerveja Pilsen, ou Pilsener (adjetivo pátrio na forma inglesa) se refere única e exclusivamente a cerveja tcheca feita na cidade de Pilsen. Se foi feita em Praga, em Brno ou em Litovel, não é pilsen, ainda que use a mesma fórmula de fabricação. Não estranhe, portanto, se entrar num bar da Staropramen, pedir uma pilsen e ouvir que não tem. Staropramen é feita em Praga, no bairro de Smíchov. Não em Pilsen!

Não posso deixar de dar razão aos pilsenses. Essa generalização do termo faz com que marcas muito duvidosas de cerveja usem seu santo adjetivo pátrio em vão. Parece que já há um pedido que reconhecimento de região (como a de Champagne na França), que se for aceito vai obrigar a todas as cervejas não-pilsenses do mundo a mudarem suas latinhas. Terão que usar o termo técnico ‘pale lager’ que – justiça seja feita – algumas já usam.

E já que o tema é conflito de marcas x adjetivos pátrios, que tal essa? Budweiser.

No Brasil, a marca é mais que conhecida, uma das mais famosas, nascida em Milwaukee, nos estados Unidos, criada pela cervejaria Anheuser Busch, posteriormente comprada pela AMBEV, que mais tarde virou INBEV... Como é fácil de ver, não há nada de tcheco nesta cerveja... além do nome.

Sim, Budweiser é o adjetivo pátrio para a cidade de Budweis – nome alemão da cidade tcheca de České Budějovice. Portanto, Budweiser deveria ser a cerveja feita na cidade. Porém, nosso amigo Busch de Milwaukee gostou do termo, e batizou sua cerveja americana com esse nome (porque não usou Milwaukeer?). E enquanto ele crescia com sua indústria, a Tchéquia enfrentava duas Guerras Mundiais, uma ditadura socialista... e não teve muito tempo para internacionalizar suas marcas. Quando a cortina de ferro caiu, e a Budweiser tcheca quis ganhar o mundo – surpresa! – a Budweiser americana já tinha se instalado.

Começou então um dos maiores litígios de marca do mundo. É como se alguém tivesse registrado a marca ‘Champagne’ e impedisse os produtores de champagne de usá-la. Por outro lado, alguém imagina a Budweiser americana abrindo mão de sua marca?

Essa briga vai longe, e talvez nunca acabe. Até porque não há um tribunal mundial que possa decidir o caso, é tudo em organismos de comércio e tribunais locais.  Hoje, o que se tem é uma decisão dividida: na Europa, Budweiser é a tcheca. A americana só pode ser vendida com outro nome. Tanto que na Copa do Mundo de 2006, na Alemanha, as placas de publicidade mostravam apenas Bud. Nas Américas, porém, Budweiser é a americana. A tcheca até vem para o Brasil e outros países da região, mas muda de nome para Czechvar.

Para resolver o impasse, já houve várias tentativas de comprar a cervejaria tcheca (para em seguida enterrar a marca e acabar com o problema). Porém, o governo tcheco adquiriu a cervejaria. E garantiu, assim, mais um pedaço importante do ‘patrimônio líquido’ da República Tcheca.

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