Em Praga, amor à primeira vista
Como entre dois amantes, meu encontro com a capital tcheca foi amor à primeira vista.
Por: Colaborador Convidado
Publicado: Março 23, 2020
Tive o prazer de chegar à cidade dourada em uma tarde ensolarada de junho. Ela me acolheu com um pôr do sol dos mais belos dentre os que recordo. Meu olhar foi capturado pelo magnífico tom laranja que coloria e resguardava o céu da cidade, enquanto eu me aproximava da Ponte de Carlos e, atônito, observava a majestosa Catedral de San Vito, no topo do maior castelo medieval do mundo. Em momento inesperado, o romance começou. Sem saber de antemão, eu percebi que apenas um olhar das pessoas bastaria para eu me apaixonar.
Como se Praga fosse uma mulher, durante três dias esqueci a solidão da minha viagem para me sentir cercado pela companhia da cidade. senti que Praga ia pela minha mão, enquanto eu caminhava e conhecia os recantos mais emblemáticos. Fui seduzido pelo halo de mistério e obscurantismo que permeia a joia do gótico.
Visitamos o centro histórico em busca da fascinante história da cidade. Subimos a pé até o topo da Torre do Relógio Astronômico, e nas alturas juramos amor eterno, enquanto assistíamos de cima às idas e vindas de moradores e turistas na rua mais movimentada de toda a República Tcheca.
Enquanto caminhávamos em direção ao Bairro Judeu da cidade, antes de chegarmos à singular Rua de Paris ouvimos várias interpretações de jazz. Mas, foi só quando um grupo decidiu nos presentear com a mítica Besame Mucho que percebemos estar em ponto sem volta. Naquele momento, senti um impacto tão forte e intenso que caí aos pés de Praga.
A cidade e eu adoramos caminhar sem rumo pela Staré Město (Cidade Antigaobservando cuidadosamente os elementos arquitetônicos das fachadas que encontramos durante o nosso caminhar. Entramos nas diferentes igrejas, sonhando que, em um dos nossos futuros encontros, uma delas poderia ser o cenário para trocarmos o cobiçado “Sim, eu quero”.
Praga ama o famoso escritor tcheco Frank Kafka, e o homenageia em muitos dos lugares da cidade. Decidimos seguir seus passos. Visitamos a casa aonde ele nasceu, localizada em uma praça com o nome desse gênio de origem judaica. Depois de parar em frente à escultura do seu busto, decidimos procurar a Sinagoga Espanhola. Junto a ela está a escultura de Kafka que conta entre os monumentos mais representativos e fotografados de toda a cidade. Percorrer os caminhos que esse grande escritor fez durante sua vida e, penso eu, pelas mãos da melhor companhia imaginável, foram momentos únicos e indescritíveis.
Durante aqueles dias, juntos saboreávamos petiscos e jantávamos. Ela adorava os guláš, e a mim encantava o knedlíky. Mas, havia algo em que ambos concordávamos – sempre pedíamos cerveja tcheca e, ao brindar juntando nossas jarras, dizíamos: Na zdraví!
Como se estivéssemos em Callejon del Beso (Beco do Beijo, bem estreito), em Guanajuanto (México), conhecemos a rua mais estreita do mundo. Decidimos que, ao anoitecer, seria o momento ideal para nos beijarmos ao luar, e buscar um pouco de paz e tranquilidade.
Mas, o momento único e mágico ocorreu quando subimos uma das sete colinas da cidade, e chegamos à Torre Petřín – réplica da Torre Eiffel, em Paris. Sob o manto de estrelas, prometi que nos veríamos mais vezes, e que não haveria cidade capaz de roubar meu coração, como ela roubou. Para esquecer tanta beleza, no mínimo, deveriam cegar-me, como fizeram com o pobre relojoeiro Hanuš*, e ainda eu ser acometido por mal de Alzheimer. E assim foi... na colina dos amantes, trocamos juras de amor. Meus olhos começaram a marejar enquanto eu pensava se, depois desta declaração de amor, minha escolha seria eu mesmo, ou seria a opção pela notável declaração de amor que dedicou a Praga o grande Joaquín Sabina, em “Cristais da Boêmia”... e assim eu fui pensando em voltar.
*Lenda sobre Hanuš
O autor refere-se à lenda tcheca sobre Mestre Hanuš – uma das muitas a envolver o Relógio Astronômico de Praga, único no mundo a mostrar a hora babilônica (além da tcheca antiga, a centro-europeia, e a astronômica).
A lenda conta que Hanuš, e não Mikuláš de Kadan, como registra a história, teria sido responsável pela construção do fantástico relógio. Diante da surpreendente obra, exemplar único, os dirigentes da época (primeira década de 1400) temeram que Hanuš fosse convidado a reproduzi-la em outras partes da Europa, o que dividiria o brilho de Praga com outras cidades.
Para impedir que tal ocorresse, a solução encontrada pelas autoridades foi mandar cegar Hanuš. Felizmente, é tão somente uma lenda. Mikuláš de Kadan, realmente, foi o construtor do medieval Relógio Astronômico de Praga, instalado em 1410. O mestre Hanuš, com a visão em ótimas condições, o reconstruiu em 1490.