Capítulo 6 - Silné chutě a vůně (Fortes sabores e odores)

Lara e sua amiga chegam a Štramberk, mas Carlos para em Olomouc. Um queijo fedorento, mas surpreendentemente saboroso, faz com que as amigas conheçam Jakub, um chef de cozinha que consegue marcar um encontro de Lara com Carlos em Olomouc. Mas uma surpresa surge e, assim como queijo, não cheira bem.

Por: Luiz Fernando Destro

Publicado: Setembro 12, 2021

Desencontros. Essa parecia ser a sina de Carlos com Lara. No volante de seu Škoda cinza, rumo a Štramberk, Carlos lembrava de como Lara estava sempre tão próxima – e tão distante.

Há alguns anos, Carlos convidou Lara para uma sessão de cinema. Cuidadosamente escolheu um filme romântico, que pudesse ajudá-lo a puxar o assunto de como sentimentos se transformam, e como um amigo pode ser tornar um grande amor. Marcaram de se encontrar no shopping center, em frente à bilheteria do Movieplexomax. Carlos chegou meia hora mais cedo, a roupa passada, escolhida à dedo para ser ao mesmo tempo informal, mas elegante; simples, mas sexy. Algumas gotas de perfume exalavam do encontro de seu ombro com seu pescoço.

Lara chegou vinte minutos atrasada. Linda, em um vestido justo que só valorizava suas curvas, o cabelo solto, levemente encaracolado, no delicioso tom acastanhado que povoava os sonhos de Carlos. Viu ela descendo a escada rolante, sorridente. Ele abriu um sorriso, o corpo naturalmente se projetando para frente, em direção a ela.

De repente, ela virou o pescoço, e levou seu sorriso para a pessoa que vinha atrás dela. Um sujeito alto e magro, com um jeans puído e uma camiseta sem graça, um modelito que destoava da elegância informal de Lara.

- Oi Carlos. Queria te apresentar o Álvaro, meu namorado – As palavras de Lara feriram como um punhal de gelo o coração, agora partido, de Carlos – Tudo bem se ele for ao cinema com a gente?

A resposta sincera era não. Mas Carlos disse sim, e se esforçou para parecer blasé. E nas duas horas seguintes, a poltrona entre Lara e Carlos foi ocupada por Álvaro que, além de tudo, gostava de fazer comentários no meio do filme. Com Lara, não com ele.

E agora novamente Lara estava distante. Por sorte as freiras em Telč contaram sobre seu destino, e ele agora ia ao seu encalço, com quase uma hora de desvantagem.

A noite já ia alta. Carlos piscou e quase não conseguiu abrir o olho. Precisava parar e dormir.

*****

Lara finalmente chegou a Štramberk. O percurso de mais de duzentos quilômetros a havia deixando cansada – assim como todas as emoções do dia, que começara de um lado do país, e acabava do outro. Sentia que precisava dormir. Rosita, a amiga peruana, já estava nos braços de Morfeu pelos últimos cem quilômetros.

Estacionou em frente a uma Penzion – uma hospedaria. Era uma casa antiga, perto da praça principal da cidade. Cutucou a amiga, e as duas desceram do carro vermelho, rumo a um quarto – e a algumas horas de sono.

*****


Carlos fez check in no Metropole Hotel em Olomouc. Escolhera essa cidade porque estava no caminho, e parecia grande. Não queria correr o risco de não encontrar acomodação em um vilarejo menor.

Localizado perto de uma grande praça, e ao lado de uma antiga muralha, o hotel estava instalado em um edifício antigo, mas com interiores totalmente renovados. Usou novamente o cartão de emergências dado pela mãe, e pagou uma suíte por uma noite. Por ter chegado sem uma reserva, precisou aceitar uma categoria superior, mas, ao final, não estava nada mal. Era um quarto amplo, com piso em tábuas de madeira, bem no canto do prédio. Uma bay window dava vista para a praça e o banheiro contava com uma banheira que, após aquele longo dia, parecia incrivelmente convidativa.

Abriu a torneira, temperou a água mas, antes de entrar, ligou para o telefone das freiras em Telč. Ao partir em desabalada carreira atrás de Lara, as freiras ficaram preocupadas, e pediram que ligasse quando chegasse ao destino, para saberem que tudo estava bem.

- Irmã Rosália? Aqui é o Carlos. Estou em Olomouc, e estou passando muito bem – Carlos olhou para a banheira, cuja água já chegava na metade da altura.

*****

Na manhã seguinte, Lara e Rosita se sentiam renovadas. A noite na Penzion havia recarregado as baterias das duas. Faltava agora encher o estômago – mal haviam comido no dia anterior.

O café da manhã era bastante variado e incluía até mesmo as Orelhas de Štramberk, a massinha retorcida que havia feito Lara correr rumo àquela cidade. Agora, precisava encontrar Carlos, que deveria estar em algum outro hotel, ou andando em círculos pela cidade. Mas isso, só depois de comer algo, a fome estava realmente apertando.

- Uf, esse queijo está podre! – Rosita fez uma cara feia quando pegou uma peça do laticínio no bufê – Que cheiro!
Ao lado dela, um rapaz alto interveio:

- Não, não. Ele é assim mesmo – O rapaz pegou uma peça do queijo, redonda e com um furo no meio – Esse é o queijo cottage de Olomouc, ou olomoucké tvarůžky, como nós chamamos. É muito gostoso, apesar do forte odor.

O rapaz deu uma mordida generosa no disquinho de queijo, mas Rosita não se convenceu. Lara chegou perto e resolveu experimentar a iguaria.

- Hum, é bom! Depois que passa o cheiro... – Lara disse da forma mais amigável possível.

- Sim, e é possível fazer vários pratos com ele. Eu sei por que eu faço – Trocou o prato que segurava de mão, para poder estender a direita – Sou Jakub Navratil, chef de cozinha e responsável pelo cardápio aqui da Penzion. Gostariam de sentar comigo?

Rosita olhou para Lara, Lara olhou para Rosita e pensaram: por que não? E logo estavam os três tomando café e debatendo o hábito tcheco de comer linguiças com mostarda no café da manhã.

De repente, uma mocinha se aproxima da mesa, e Lara a reconhece como a recepcionista que fez seu check in na noite anterior.

- Sra Gouveia? – ela pergunta. Diante do aceno de Lara com a cabeça, continua – Temos um recado para a senhora.

A mocinha entrega um papel para Lara, dobrado ao meio. Era um recado da irmã Rosália.

“Carlos diz que está em Olomouc e passar bem”.

Os olhos de Lara marejaram de lágrimas. Carlos havia ido embora e mandado ela passar bem? Parecia que o amigo finalmente havia desistido dela. E pensou que talvez ela merecesse o seu desprezo.

*****

Carlos acordou no Hotel Metropole e foi tomar seu café. Estava relaxado, depois do banho de banheira e da noite de sono. Agora só tinha que seguir até Štramberk e achar Lara.

- Mas quem come linguiça com salada no café da manhã? – as escolhas do bufê do hotel intrigavam Carlos.

*****

Lara estava no balcão da recepção, e as lágrimas agora corriam pelo seu rosto. Ao seu lado, Rosita e o chef Jakub. À sua frente, a menina da recepção, visivelmente sem graça. Tentavam ligar para irmã Rosália para esclarecer a mensagem de Carlos, mas o telefone não atendia.

- Elas voltavam para seus países hoje – Rosita estava informada sobre o roteiro da peregrinação – Ela deve estar no avião, incomunicável.

Para Lara, estava claro. Carlos se cansou de esperar por ela e, ao não encontrá-la na cidade, resolveu seguir com a viagem, e com sua vida. E sem Lara. Rosita, porém, achava que podia ser algum mal-entendido. A irmã Rosália não era particularmente brilhante com as palavras. Ela, como hispano falante, podia dar testemunho. Mas sem conseguir tirar a dúvida, o que poderiam fazer?
Jabuk interveio.

- Acho que posso ajudar.

*****

A distância entre Olomouc e Štramberk podia ser coberta em uma hora de carro. Carlos saiu às nove do hotel Metropole, o mesmo horário que Lara, Rosita e Jakub deixaram Štramberk. Carlos não viu o carro de Lara passar por ele na estrada, no sentido contrário. E vice-versa.

*****

O plano de Jakub era simples. Iriam a Olomouc, onde ele tinha seu restaurante, e vasculhariam, os três, os principais pontos turísticos da cidade. Se Carlos decidiu continuar a viagem sozinho, teria que estar em algum desses lugares. Mas, por via das dúvidas, Jakub deixou na recepção da Penzion seu número de telefone. Se a irmã Rosália havia feito lambança, Carlos apareceria em Štramberk, e poderia contatá-los.

Chegaram a Olomouc um pouco depois das dez. Jakub estacionou em frente à catedral, e deu instruções a Lara e Rosita.

- Vão caminhando em direção à praça central. Eu vou para meu restaurante, que fica do outro lado da praça. Tenho que ver se está tudo certo por lá e, em seguida, começo a procurar Carlos. Ao meio-dia nos encontramos em frente ao relógio astronômico.

*****

O plano de Carlos era simples: iria procurar Lara na praça central de Štramberk e, se não a encontrasse, iria procurar em cada hotel da cidade. Ela não poderia ter dormido na rua, então alguém deveria saber de alguma coisa.

Para uma cidade pequena, Štramberk era cheia de atrações. Só na praça central havia museus, uma cervejaria (que Carlos tomou o cuidado de evitar) e um café que servia deliciosos pães-de-mel. As casas típicas, de madeira, faziam um bom contraste com as montanhas do entorno, cujas folhas estavam no ápice do verde de verão. Ao fundo, uma torre se erguia acima de um castelo muito antigo. Estaria Lara ali? Certamente era algo pelo qual ela se interessaria.

Mas antes de subir o morro e as escadarias atrás de Lara, preferiu perguntar nos hotéis da cidade.

Olhou para o fim da rua e viu uma placa com a palavra Penzion.

*****

Jakub chegou ao seu restaurante Chutě a vůně, que traduzindo seria algo como “Sabores e odores”, um estabelecimento especializado em pratos feitos com o queijo cottage levemente fedorento que o chef apresentara às amigas Lara e Rosita naquela manhã.

Começou a revisar com seu assistente os suprimentos do dia, anotando algo de vez em quando, e dando instruções para a hora do almoço que se aproximava. Subitamente, a musiquinha de seu celular começou a tocar, enquanto o aparelho tremelicava em seu bolso.

Era da Penzion de Štramberk. Carlos estava lá.

*****

Após uma rápida entrada na catedral, Lara e Rosita checaram o museu da arquidiocese, que ficava ao lado. Mas o local ainda não estava aberto, então descartaram a possibilidade de Carlos estar olhando ostensórios ou quadros de arte sacra.

Seguiram pela rua principal de paralelepípedos, rumo à praça, eventualmente se separando para cobrir duas ruas paralelas que pareciam ser igualmente relevantes. Quando finalmente chegaram à praça central, o relógio marcava pouco mais de onze e meia.

A praça era grande e bastante ampla. No centro, um grande edifício, com uma pequena torre, na qual estava o relógio astronômico onde Jakub iria encontrá-las. Em um canto da praça, uma grande estrutura se erguia, ornamentada por esculturas de santos e detalhes em metal dourado.

Não demorou muito e Jakub apareceu, com um sorriso no rosto.

- Boas notícias! Carlos apareceu! Estava em Štramberk, passou na Penzion e pedi que voltasse para cá. Deve chegar por volta do meio-dia. Disse que você estaria na frente do relógio a essa hora.

Lara exultou. Carlos não havia desistido dela, apenas estava perdido – como sempre.

*****

Carlos entrou na praça quando faltavam dois minutos para o meio-dia. Olhou rapidamente a extensão ampla, e procurou identificar onde estaria o relógio. No edifício do centro da praça, uma torre se erguia e, abaixo dela, um aglomerado de pessoas.

Tinha que ser ali.

*****

Lara estava em pé, de frente para o curioso relógio astronômico de Olomouc que, ao invés de santos, tinha estátuas de trabalhadores, cientistas, esportistas, em uma adaptação socialista da versão medieval do aparelho. Jakub havia retornado ao seu restaurante, para cuidar dos clientes da hora do almoço, e Rosita fora com ele. Não queria ficar de vela no que provavelmente seria um reencontro romântico – apesar da insistência de Lara em dizer que ela e Carlos eram “apenas amigos”.

O relógio astronômico comunista fazia seu show, uma apresentação bastante longa, se comparada à que vira em Praga com Carlos. Mas agora o galo no alto do painel cantara, encerrando o espetáculo, e a pequena turba de turistas começou a se dispersar. Ouviu alguém chamar seu nome.

- Lara... é você?

Virou-se rapidamente. O coração, que palpitava de emoção, foi tomado pela surpresa.

- Álvaro?

*****


Carlos não conseguiu encontrar Lara no meio da multidão. Preferiu esperar a uma certa distância, até que todos se afastassem e pudesse ver melhor. Ficou junto à grande coluna decorada com santos e anjos, procurando qualquer mulher que estivesse sozinha.

Franziu os olhos e viu uma silhueta que se parecia muito com Lara, passando em frente a uma fonte, a um cinquenta metros de distância. Mas não poderia ser Lara, porque estava acompanhada de um rapaz magro e alto, com um jeans puído e uma camiseta sem graça.

*****

Demorou algum tempo até que Lara conseguisse explicar a Jakub e Rosita que o rapaz sentado ao seu lado não era Carlos, mas sim Álvaro, seu ex-namorado. Demorou mais alguns minutos para explicar que Carlos não aparecera, apesar de ela ter esperado até o fim da apresentação do relógio, e ter passado lentamente pela praça, já Álvaro a tiracolo.

Os quatro estavam sentados à uma mesa no restaurante Chutě a vůně, e Jakub havia providenciado algumas iguarias feitas com o odoroso queijo cottage de Olomouc. Rosita, que pela manhã havia resistido ao sabor e ao odor, agora se refestelava com o menu degustação oferecido por Jakub.

- E agora, o que pensa em fazer? – Jakub perguntava – Não temos como contatá-lo para descobrir onde está.
Lara estava cabisbaixa, ao lado de Álvaro, visivelmente deslocado na conversa.

- Acho melhor deixar para lá – Lara disse quase sussurrando – está claro que ele desistiu. Deve ter achado alguma outra coisa para fazer. Ou alguém mais interessante. Vou voltar para Praga, para o hotel, e para casa.

Álvaro, que até então ouvia calado, interrompeu:

- Mas por que, meu chuchu? Já que está aqui, vamos aproveitar!

Lara odiava o apelido ‘chuchu’, que Álvaro inventou quando namoravam. Mas nunca teve coragem de dizer isso a ele. E não diria agora. Álvaro continuou:

- Eu estou hospedado em Ostrava. Vai ter um megafestival de música por lá e, como cheguei uns dias antes, resolvi conhecer Olomouc. Eu sei que você adora um showzaço, então vem comigo! Vai ser bom para esquecer o Marcos.

- Carlos – Lara consertou. Álvaro nunca levara Carlos muito a sério.

- Talvez seja uma boa ideia, amiga – Rosita opinou – Eu me diverti muito esses dias, mas não posso mais seguir com você. Na verdade, o Jakub me convidou para fazer um curso de culinária tcheca que ele vai dar em Loštice, e eu resolvi aceitar...

Os dois se entreolharam, cúmplices.

Lara ponderou uns minutos. Já estava quase sem dinheiro – suas reservas estavam no cofre do quarto do hotel em Praga. Precisava devolver o carro vermelho, e a locação do veículo e a noite na Penzion haviam estourado seu cartão de crédito.

- Vem comigo, Lara. E depois do festival eu te levo de volta para Praga – Álvaro quase suplicava. Nem parecia o sujeito arrogante com quem ela namorara há pouco mais de seis meses. Pensou que, afinal, ela queria mesmo conhecer Ostrava.


*****

Carlos revirou a praça central de ponta a ponta. Ninguém havia explicado a ele que na verdade eram duas praças – a alta e a baixa – então demorou mais tempo do que imaginava. E apesar dos esforços, não encontrou Lara. Estendeu as buscas para as redondezas e chegou até a catedral, mas nada da amiga.

Já eram quase duas da tarde. Precisava se reagrupar e pensar no que fazer. Lembrou que mal havia tomado o café no hotel – tinha pressa de encontrar Lara, e as linguiças não lhe apeteceram logo pela manhã. Caminhou um pouco, olhando as fachadas das casas e as placas na calçada, com diversas ofertas de menu.

Viu uma simpática casa azul, a marca de cerveja no toldo entregava que era um restaurante. Resolveu entrar, mais que tudo porque gostou do nome.

Chutě a vůně.


Capítulo 7 - Barevna Ostrava (Ostrava colorida) 

Lara e Álvaro seguem para Ostrava, e Carlos vai atrás deles, sem saber como encontrá-los. Lara logo percebe que a viagem com o ex-namorado foi uma grande roubada, mas como reencontrar Carlos entre dez mil pessoas? Por sorte, o amigo tem uma grande ideia – e uma disposição ainda maior. 

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