Capítulo 3 – Karlovy hrady (os castelos de Carlos)

No próximo capítulo, vamos ver aonde Lara foi parar depois de pegar um ônibus errado – os castelos de Karlstejn, Krivoklat e Loket. E, A bordo de um ônibus errado, Lara faz uma nova amiga enquanto tenta contatar Carlos. Em meio a castelos e mal-entendidos, ela chega a Karlovy Vary, onde uma estagiária tem uma ideia cinematográfica para reunir novamente Lara e seu amigo. Mas será que Carlos receberá a mensagem?

Por: Luiz Fernando Destro

Publicado: Setembro 15, 2021

Lara viu Carlos passar pela porta da placa sem Y na estação central de Praga. Por um segundo, seus olhares se cruzaram. Ele, esbaforido, de pé na plataforma. Ela, assustada, dentro de um ônibus a caminho do destino errado.

Após dobrar a esquina, Lara não pôde mais ver o amigo, e rapidamente começou a pensar no que fazer. Descer era a opção óbvia, mas era impossível se comunicar com o motorista, isolado na cabine. Além disso, ele não tinha o domínio de idiomas como sua mais brilhante qualidade.

Subiu a escadinha que levava ao segundo andar do veículo enquanto alcançava o celular no bolso da calça jeans. Ligou para o número de Carlos, apenas para escutar o toque levemente cafona do aparelho do amigo vindo do fundo de sua bolsa. Veio o flashback daquela manhã, na porta do hotel, junto com a certeza de que naquele instante Carlos estava incomunicável.
Olhou para a senhora gorduchinha com que falara antes. Enquanto imaginava a frase que queria dizer, alguém se dirigiu a ela, em algo que poderia ser portunhol castiço.

- Está tudo bem, moça?

Lara olhou para uma mulher de trinta e poucos anos, magra e de pele um pouco escura, como se estivesse permanentemente bronzeada.

Os cabelos eram negros e lisos, e os olhos escuros.

- Você fala português? – Lara ainda processava a informação.

- Falo mais espanhol, mas português também. Trabalhava numa empresa brasileira – O sotaque era carregado, mas ia melhorando

conforme ela falava – Empresa de petróleo. Tinha escritório lá no meu país. Sou do Peru.

A moça magra ajeitou a mochila que tinha apoiada no ombro e estendeu a mão para Lara, dizendo:

- Me chamo Rosita. Placer!

Na meia hora seguinte, Lara se dedicou a explicar a Rosita o que havia ocorrido e, de quebra, entregou um compacto com os melhores momentos da história de sua vida. Lara descobriu que tinha entrado em uma excursão chamada “Os Castelos de Carlos” – o que explicava o mal-entendido com o motorista – e que estavam a caminho de uma visita a três castelos.

Junto com Rosita, Lara traçou a estratégia de descer na primeira parada e retornar a Praga. E ela estava chegando naquele instante, com a imagem de um castelo de paredes retas e torre quadrada ganhando a linha do horizonte. Ao fundo, muito verde, no que poderia ser uma pradaria ou um campo de golfe.

- Karlstejn... – Lara balbuciou.

O castelo de Karlstejn era uma imagem constante na mente de Lara desde que apareceu no quarto capítulo da novela brasileira. Entre uma discussão dos protagonistas e as tramoias da loira malvada, magistralmente interpretada por Camila de Castro, Karlstejn roubou a cena. Lara ficou ansiando por tomadas abertas que a permitissem ver mais da antiga fortaleza, chegando a se irritar quando o editor de imagem insistia com os closes.

E agora aquele cenário estava bem na sua frente.

- Vamos bajar – disse Rosita.

Mal saíram do ônibus e um senhor baixotinho os recebeu, erguendo um guarda-chuva azul fechado, apesar do lindo dia de sol.

- Olá, olá. Meu nome é Stanislav, mas podem me chamar de Stan. Vou ser seu guia pelos Castelos de Carlos! – Lara ia traduzindo na mente o discurso feito em inglês.

O baixotinho começou a caminhar, guarda-chuva erguido para compensar a falta de estatura. Ele tagarelava sobre a história do lugar, da sua construção na era medieval, do rei Carlos, das joias da coroa... Demorou uns quinhentos metros até que ele parasse no centro de informações, para que alguns colegas usassem o banheiro.

Lara e Rosita aproveitaram a oportunidade para cercar Stan e explicar a situação. Lara pediu informações de como voltar a Praga.
Guias de turismo são frequentemente surpreendidos com situações estranhas, e Stan já havia estado em várias. Não chegou a ficar surpreso.

- Você pode pegar o trem – ele esclareceu – ou um táxi, no vilarejo.

Lara já ia perguntar sobre o caminho para a estação, quando Stan completou:

- Mas como sabe que seu amigo vai estar lá?

Stan tinha razão. Era improvável que Carlos ficasse parado na plataforma a espera dela. Não era como aquela vez que ele ficou sete horas na fila para comprar o ingresso do show que ela queria ver... Foram sete horas debaixo de chuva, mas ele sabia onde ela estava. E ela sabia onde ele estava. E sabia que estava lá por ela.

Rosita deu uma ideia.

- Lara, por que você não liga para o hotel e deixa um recado? Ele provavelmente voltará para lá. E você pode continuar a visitar o castelo. Parece que você gosta dele...

O rosto de Lara enrubesceu e ela se apressou em explicar:

- Não, imagina. Somos apenas amigos!

- Lara, eu estava falando do castelo... – Rosita não pôde esconder um discreto sorriso.


Lara decidiu que seria tolo perder um dia de viagem. Deixou o recado no hotel, dizendo a Carlos que voltaria no fim do dia, e que não se preocupasse. E junto com sua nova amiga Rosita visitou Karlstejn.

Foi um passeio de 45 minutos e logo depois estavam de volta ao ônibus, rumo a outro castelo – Křivoklát. Lara estava sentada à janela, com Rosita no banco ao lado. As duas admiravam a paisagem da Boêmia Central, com bosques que sucediam áreas de cultivo, um rio manso cruzando de quando em vez.

Photo: Křivoklát state castle National Heritage Institute

Lara havia relaxado e agora apreciava a excursão inesperada. Mas parecia haver um vazio, algo faltando. Percebeu que gostaria que Carlos estivesse no banco ao lado, não Rosita.

Após cruzar um bosque, o ônibus estacionou próximo a outro castelo, esse com torre redonda. Era quase um estereótipo, de tão castelo que era. Mas alguns minutos e o grupo estava novamente seguindo o guarda-chuva azul de Stan.
Enquanto entravam no castelo, Stan explicava que Carlos não havia construído aquele castelo, mas ele pertencia a sua dinastia premislita, e por isso estava no roteiro. Quando chegaram a uma grande biblioteca, Lara sentiu sua bolsa vibrar.

- Meu telefone! – Ela remexeu a indefectível bagunça que carregava até alcançar o aparelho.
Na tela viu um número desconhecido, provavelmente estrangeiro. Certamente Carlos ligando de algum lugar, talvez do hotel.

- Alô, Carlos? – Lara tinha a voz aflita.

Após uma breve pausa, a voz de Carlos chegou aos seus ouvidos. E isso a fez feliz por quase um segundo.

- Lara! Oi Lara! Que bom ouvir sua voz! Onde você está?

- Estou em Křivoklát – Lara se perguntava se Carlos saberia o que era Křivoklát – E você, está em Praga?

Lara sentiu as pernas bambearem quando ouviu de Carlos as palavras “Český Krumlov”. Isso era na Boêmia do Sul! Mais de uma centena de quilômetros de onde ele devia estar. Carlos nunca fora muito bom com direções. Como na vez que tomou chuva na fila por sete horas, e demorou mais duas para conseguir voltar para casa.

Lara precisava agir. Aproveitou a presença de Stan ao seu lado e perguntou:

- Stan, aonde essa excursão termina?

- Plzen – Stan respondeu, usando o nome tcheco da cidade. Felizmente, Lara conhecia a versão latina.

- Carlos, eu estou numa excursão. Estão indo para Pilsen. Consegue me encontrar lá?


Ao chegarem em Loket, Lara estava mais calma. Tinha falado com Carlos, e logo o encontraria. Podia, então, aproveitar as explicações de Stan e seu já familiar guarda-chuva.

Enquanto subiam uma grande escadaria, rumo ao topo da colina, Lara resolveu parar por um momento. Enquanto tomava fôlego, olhava a paisagem a sua volta, o rio serpenteando em volta do pequeno vilarejo, o castelo encimando a tudo, em seu estilo extremamente bruto. Esse era um castelão empedernido, Lara pensou.

Nesse momento, duas velhinhas do grupo passaram por Lara, matraqueando animadamente, apesar da íngreme subida. Lara não pode evitar de ouvir o que diziam:

- O hotel é fantástico. Apareceu em vários filmes. Mal posso esperar para passar a noite por lá.
Lara olhou no relógio, e notou que já passavam das quatro e meia da tarde. De castelo em castelo, o dia estava indo embora.

- Rosita, você sabe dizer a que horas vamos chegar a Pilsen? – Lara tinha uma noção da distância, e já parecia tarde.
Rosita rapidamente buscou um folhetinho na bolsa, provavelmente o prospecto da excursão, e confirmou:

- Hum... umas onze da manhã.

- Como assim, da manhã? Não vamos chegar a Pilsen hoje? – Lara estava assustada.

- Não, não. Vamos para lá amanhã. Hoje passamos a noite em Karlovy Vary.

Lara revirou a bolsa novamente, atrás do seu celular, e ligou apressadamente para o número estranho guardado nas ligações recentes. Uma voz desconhecida atendeu, falando um Ahoy tipicamente tcheco. Era Marék, o bobo da corte de Český Krumlov.
Demorou algum tempo para conseguirem se comunicar, e finalmente Lara explicou que precisava falar com Carlos. Mas era tarde. Marék já o havia deixado na rodoviária.

Por falta de ideia melhor, Lara seguiu com Rosita e o grupo até Karlovy Vary. Não era longe do castelo de Loket, e ainda estava claro quando chegaram à recepção do hotel. Foi necessária alguma conversa para explicar sua presença ali, sem reserva, mas ao final ela foi acomodada.

Rosita a convidou para caminharem. Stan já havia encerrado seus trabalhos do dia, e o tempo livre na tarde quente de verão parecia convidativo. Começaram a andar pelo longo calçadão que margeava um rio fumegante.

- É água termal – explicou Rosita – por isso a fumaça.

Lara ouvia, mas sua cabeça vagava. Carlos devia estar em Pilsen, esperando sua chegada, que não aconteceria antes do dia seguinte.

Precisava avisá-lo, mas como?

De repente, um jovem saltou na frente das duas. Usava um colete com muitos bolsos e uma calça jeans puída. Enquanto agitava os braços, explicava em inglês:

- Desculpe, pessoal. Estamos gravando. Podem por favor dar a volta? – e indicava a calçada do outro lado da rua.

Lara se deteve por um instante e notou a parafernália que se esparramava atrás da fita de isolamento. Câmeras, luzes, um pequeno caminhão e muitos, muitos cabos espalhados pelo chão.

- Que legal – Rosita comentou – estão rodando um filme. Que filme será?

Nesse instante, uma jovem usando um moletom maior que seu tamanho se levantou da banqueta em que estava sentada e falou:

- É um filme tcheco. Não sei se vai passar no Brasil.

Rosita e Lara se entreolharam, incrédulas. A jovem continuou.

- Sim, eu sou brasileira. Sou estudante de cinema, estou fazendo um estágio nessa produção.

Alguém gritou algo no set, que deveria ser o equivalente de “hora do lanche” na língua local, porque todos largaram seus equipamentos e se dispersaram. A jovem estudante completou.

- Querem tomar um café?

Lara, Rosita e a Lidiane, a estudante brasileira, estavam sentadas em uma mesa na varanda de um café com decoração sisuda. Não muito longe, num compartimento de vidro e aço inox, diversas tortas esperavam para serem escolhidas. Algumas já haviam tido sucesso, como mostravam os pedaços faltantes.

Lidiane contou seu caminho como estudante de cinema em São Paulo que, quase por acaso, havia conseguido uma bolsa para estudar em Praga. Estava no país havia quase um ano.

Rosita estava engajada na conversa, mas Lara ainda estava dispersa, com Carlos na cabeça.

- O que tem sua amiga? – Lidiane se dirigia à Rosita.

- Ela se separou do amigo, e não consegue contatá-lo. Ele está sem celular, em algum lugar de Pilsen.

- Pilsen é grandinha... vai ser difícil encontrar – Lidiane bicou o café.

- Eles combinaram na fábrica de cerveja, mas acho que a essa altura já está fechada – refletiu a peruana.

- A fábrica, sim – retrucou Lidiane – Mas a cervejaria, não. Fica aberta até de noitão.

Nesse instante, outro jovem em roupas largas falou algo com Lidiane. Ela acenou um sim com a cabeça e ele partiu.

- Preciso ir – Lidiane já ia se levantando – A diretora vai dar uma entrevista para a TV e...

Lidiane estacou e pareceu refletir. Em seguida olhou para Lara.

- É isso! Já sei como você pode contatar o Carlos. Vem comigo – e começou a andar em passo rápido pelo calçadão.

Lara estava sentada em uma cadeira de lona com armação de madeira. Ao seu lado, em outra cadeira igual, estava Markéta Kiriaková, diretora do filme “Quando amam os anjos”, em tradução livre do original tcheco.


Por ideia e convencimento de Lidiane, Markéta se propôs a ajudar Lara a encontrar Carlos.

- É só ficar lá sentada, enquanto a TV entrevista a Markéta – Lidiane explicara há alguns minutos – Essa entrevista vai ser transmitida ao vivo para todo o país, no principal canal de TV. É como se fosse a Mundial tcheca – Lidiane se referia ao mesmo canal brasileiro que transmitia a novela.

Lara passou por uma maquiagem rápida, que ajudou a tirar um pouco da cara amassada pelos acontecimentos emocionante do dia.

Lidiane continuou a explicar.

- Quando a Markéta falar algo olhando para você, é só mostrar a foto.

A foto era de Carlos. Uma foto 5 x 7 que ela tinha guardada numa divisão escondida da sua carteira vermelha. Havia conseguido num dia que Carlos a deixou cair no tapete felpudo da sala de sua casa. Lara a pegou, mas nunca devolveu. Tampouco contou ao amigo.
Markéta enfileirava palavras desconhecidas numa velocidade assustadora. Até que pausou e olhou para Lara. Que sorriu, e exibiu a foto roubada em cadeia nacional.

Após a aventura cinematográfica, não havia muito mais o que fazer. A diretora Markéta pediu a qualquer um que visse Carlos para avisá-lo que Lara estaria na fábrica de cerveja, em Pilsen, às 11 horas do dia seguinte. Lara só podia esperar que ele recebesse a mensagem.

Já era noite em Karlovy Vary, e Lara estava só em seu quarto. As velhinhas da escadaria em Loket tinham razão sobre o hotel. Ele era excelente, e possuía uma piscina, saunas e tratamentos de spa. Lara se sentia cansada por tudo que havia acontecido e pensou em tomar um banho quente. Então se deu conta que estava em uma cidade termal – o que mais havia por lá eram banhos quentes.

Vestiu o roupão branco e felpudo, calçou o par de chinelos que combinavam com ele e ganhou o corredor acarpetado. Em alguns minutos estava em uma piscina de água agradavelmente quente, cercada por uma dúzia de colunas de mármore. Já era noite e luz difusa, rebatida no teto, trazia suavidade para o ambiente. Laura estava só, e cada movimento na piscina ecoava de volta aos seus ouvidos. Deitou-se na água e começou a boiar, mergulhada no silêncio.

- Carlos, onde você está...?


Sentado na beira de uma cama simples, Carlos pensava como conseguia ser tão estúpido. Plzen. Písek. Ele tinha que guardar apenas cinco letras, e errou três. E com isso pegou dois ônibus errados em um só dia.
Lara devia estar em Pilsen, tentando descobrir o que teria acontecido com ele. Talvez preocupada, talvez furiosa. Talvez pensando que ele...

Ouviu alguém batendo na porta.

Um rapaz uniformizado, usando o crachá do Hotel Internacional Písek, estava parado no corredor. Segurava um papel dobrado, que estendeu em sua direção, enquanto dizia em inglês pausado:

- Parece que o senhor tem um encontro amanhã.

Capítulo 4 – Na vině je pivo (A culpa é da cerveja)

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No próximo capítulo, Carlos consegue chegar a Pilsen e espera por Lara na fábrica de cerveja. Mas um atraso de Lara faz com que se desencontrem novamente, e Carlos crê que Lara partiu para a “cidade dos três lagos”. Carlos vai atrás de Lara. Ou será que é Lara que vai atrás de Carlos?  

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