Capítulo 2 - Petilistá růže (Rosa de 5 pétalas)
Após Lara embarcar em um ônibus errado, Carlos tenta achar um meio de reencontrá-la. Seus esforços, porém, o levarão para outra cidade tcheca, em meio a um festival histórico, onde um novo amigo o ajudará a contatar Lara. Conseguirá Carlos seguir para os braços da amiga?
Por: Luiz Fernando Destro
Publicado: Setembro 15, 2021
Carlos viu o ônibus dobrar a esquina, levando Lara, seu amor secreto, com ele. Por um momento, entrou em pânico. Mas então lembrou do celular – bastaria ligar para Lara e combinar de encontrá-la na próxima parada. Não deveria ser longe.
Carlos tirou a mochila das costas, abriu o zíper externo e revirou o bolso. Não encontrou o celular. Abriu o compartimento maior, tirou o moleton que atravancava o caminho e mesmo assim não encontrou o aparelho. Após um ou dois segundos de esforço mental, lembrou de Lara saindo do hotel naquela manhã, vendo Carlos com a mochila nas costas e dizendo:
- Você não pôs seu celular nessa mochila, pôs? – Ela parecia surpresa – É o lugar perfeito para roubarem. Nem parece brasileiro!
Carlos concordou que seria mais seguro deixar o celular na... bolsa de Lara. Que, nesse exato instante, dentro de um ônibus errante, dispunha de dois celulares, enquanto ele estava sem nenhum.
Sem comunicação possível, Carlos tinha de usar tudo que sabia sobre Lara. E ele sabia muito – que cor ela gostava, o perfume favorito, o chocolate preferido para os dias tristes... mas não se lembrava nada específico sobre ônibus errados. Certamente ela não o abandonaria, então ela provavelmente desceria do veículo assim que fosse possível.
- É isso! – Pensou Carlos – é só eu pegar o próximo ônibus, e descer no primeiro ponto. Ela certamente vai estar lá, me esperando.
Quase no mesmo instante, um ônibus entrou na plataforma, e algumas pessoas se alinharam, preparando-se para embarcar. Carlos estrategicamente ficou no fim da fila e, antes de subir, perguntou ao motorista, no que ele julgou ser um bom inglês, mas talvez não fosse:
- Is bus going to castle?
- Yes – respondeu o motorista.
- The big castle, beside the river?
- Yes – respondeu novamente o motorista.
- Beside the Moldava river?
- Yes – o terceiro em sequência.
- Thank you very much!
- Yes.
Carlos tomou um assento na janela, do lado da calçada. Assim poderia ver se por acaso Lara estivesse voltando a pé para encontrá-lo.
Não demorou muito e o ônibus começou a andar, com Carlos atento às pessoas na rua. O ônibus entrou em uma grande avenida, e dela passou a outra, que corria paralela ao rio. Dali já se via o Castelo de Praga ao fundo. Atravessaram o rio, passando por sobre uma ponte de metal, esverdeada pelo tempo, como a Casa Municipal. Chegaram na margem onde estava o Castelo. Com alguma dificuldade o ônibus se esgueirou por ruelas estreitas, e logo começo a subir uma rua sinuosa.
- O castelo é no alto, então devemos estar chegando – pensou Carlos.
De fato, o Castelo de Praga parecia cada vez maior, e o fluxo de pessoas nas calçadas sugeria que a entrada devia estar perto. Carlos esperou a parada iminente, mas, em vez disso, o ônibus permaneceu em movimento.
- Deve estar indo a um terminal – Carlos mantinha o otimismo.
Então o Castelo começou a diminuir, as pessoas na rua escassearam e em seguida as casas também. Após uma curva acentuada, Carlos viu seu ônibus entrar em uma rodovia e ganhar velocidade.
Agora estava claro que o castelo de Mr. Yes não era o Castelo de Praga. Pensou em esmurrar o vidro que separava a cabine do motorista, mas depois pensou que Lara também devia ter pegado o ônibus errado. Ele só precisava seguir em frente até a primeira parada – seja ela qual fosse – e encontraria Lara.
- E afinal, não devemos estar muito longe do destino – pensou consigo mesmo.
Cento e setenta quilômetros depois, o ônibus de Carlos estacionou na rodoviária de Cesky Krumlov, e todos os passageiros desceram animados, empunhando celulares como máquinas fotográficas. Carlos, por sua vez, não tinha ideia de onde estava.
Resolveu seguir o fluxo e tentar encontrar Lara que, pobrezinha, devia estar assustada. Ao menos ele estava.
A rodoviária não era grande. Na verdade, era bem pequena, de maneira que Lara não teria muito onde se esconder. Deu uma boa olhada nas plataformas, no saguão, nas lojinhas, e nada de Lara. Imaginou que ela pudesse ter ido à cidade por algum motivo, e resolveu ir em direção ao centro.
Não era difícil se localizar naquela pequena e adorável cidadezinha, já que todas as ruas pareciam levar para um mesmo lugar. Carlos começou a descer uma ladeira de paralelepípedos, com um certo cuidado. De repente, passou do seu lado direito uma mulher vestida com um traje de veludo bordô, com detalhes dourados nas barras da saia e das mangas, o cabelo preso em um grosso rabo-de-cavalo. Carlos achou a vestimenta pesada para um dia de sol, mas seguiu adiante.
Quando olhou para frente, porém, viu um senhor barbado, com uma calça colada às pernas, justa como uma meia de seda, e uma blusa de mangas bufantes e cores berrantes. O traje já era suficientemente estranho, mas o que mais intrigou Carlos foi a coroa que o homem usava na cabeça.
Logo atrás do barbado coroado vieram duas jovens, também com vestidos longos e trabalhados, usando chapéus adornados por véus esvoaçantes. Carlos não pôde evitar virar o pescoço quando a dupla cruzou com ele e, ao virar, viu diversas outras pessoas em trajes incomuns. Em um instante, Carlos estava no meio de uma pequena turba de fantasiados, seguindo ladeira abaixo rumo à praça principal.
Quando finalmente chegou à praça quadrangular no centro de Cesky Krumlov, Carlos se deparou com diversas barraquinhas decoradas, cada uma guardada por alguém em fantasia. Elas vendiam produtos artesanais, comidas assadas em brasa, vinhos e cervejas. Acima delas, uma faixa saudava a todos os visitantes da Festa da Rosa de Cinco Pétalas – estava escrito em tcheco, mas com um subtítulo em inglês que Carlos conseguiu entender.
A pequena multidão na praça com certeza não ajudava sua busca por Lara. Seria praticamente impossível encontrá-la no meio de tanta gente.
Carlos olhou ao redor e viu uma placa com o indefectível sinal de informação – um grande círculo com um i maiúsculo no centro. Talvez Lara estivesse lá, buscando uma maneira de contatá-lo.
Passando a porta de vidro, Carlos se dirigiu ao balcão, onde uma jovem uniformizada sorriu com sua chegada, soltando um “Hello” simpático. Carlos ficou pensando o que perguntar. “Você viu Lara?” não parecia ser eficiente. Descrevê-la tampouco. Apesar de Carlos achá-la linda, não havia uma característica física que a destacasse de tantas outras donzelas em trajes renascentistas.
Levou a mão ao bolso e pegou a carteira. Carlos tinha uma foto de Lara guardada consigo – embora ela não soubesse disso. Um 3x4 sorrateiramente roubado da meia dúzia que ela tirou para se inscrever em um concurso. Ela quase ficou louca procurando a foto perdida.
Ela nunca encontrou. Ele nunca confessou.
Carlos estendeu a foto na direção da atendente, mas, antes que pudesse falar, ouviu alguém dizer, em português carregado de sotaque:
- Bela moça!
Carlos virou rapidamente e deu de cara com um bobo da corte. Um jovem de vinte e poucos anos, vestido com uma roupa com losangos em vermelho e verde, um chapéu com três pontas, cada uma com um guizo.
- Você fala português! – Carlos se assustou.
- Um poquinho – o bobo da corte engoliu o U – Eu morava no Brasil por um tempo, e aprendi falar.
- Mas... como você sabia que eu era brasileiro?
- Sua mochila – o bobo apontou para as costas de Carlos – essa marca é brasileira. Eu vir e seguir você. Eu gosta muito brasileiro – Mais algumas preposições foram engolidas.
- Amigo, você caiu do céu! Eu me perdi da minha amiga...
- A menina da foto? – o bobo olhou novamente a foto de Lara.
- Isso! Preciso encontrá-la, mas não tenho celular.
- Mas eu ter! Vem comigo – o bobo abriu a porta de vidro e, antes de sair, virou-se para Carlos e disse – Ah, meu nome é Marék.
Carlos e seu novo amigo voltaram a praça e, de lá, desceram uma ruela em direção a uma ponte. Do outro lado do rio, sobre uma grande rocha, se erguia uma construção enorme, encimada por uma torre em tons de rosa.
- Esse é o Castelo de Cesky Krumlov. Fica bem aqui, ao lado do rio Moldava. O mesmo rio que vai até Praga – o bobo da corte agora era guia turístico. Mas isso explicava por que o motorista do ônibus tinha entendido mal a pergunta de Carlos. Se é que entendeu algo.
Marék continuou:
- Meu celular no carro, porque roupa de bobo não tem bolso, né? – eles agora subiam uma escadaria.
- Marék, por que todo mundo está com essas roupas antigas? Isso é sempre assim? – Carlos finalmente resolveu perguntar.
- Não, não. É a Festa da Rosa de Cinco Pétalas. Lembra a família dona do castelo, muito antiga – a escadaria estava quase no fim – Todo ano lembramos e fazemos festa medieval.
Carlos agora estava em frente ao portão do castelo, e a torre rosa se erguia na sua esquerda. No seu cume se viam turistas apontando para a cidade e tirando fotos. Marék seguiu em passo apressado, cruzando o portão, que levava a um pátio, e de lá a uma rampa íngreme, que felizmente dispunha de um corrimão para apoio. Chegaram em um segundo pátio, esse mais fechado e com paredes decoradas. Um grupo de turistas se preparava para entrar por uma porta de madeira, provavelmente para visitar o interior.
Cruzaram uma passarela e Carlos não pode deixar de diminuir o passo para ver a vista: logo abaixo dele, o rio fazia uma curva acetuada, com uma pequena queda d´água; na margem oposta, inúmeras casas antigas, coloridas, e uma multidão de pessoas nas ruas.
Passaram por um portão, atravessaram uma rua e logo estava em um grande jardim em estilo francês, que certamente pertencia ao castelo. Carlos pensou que Lara adoraria estar ali – ela adorava jardins, e em especial os geométricos.
Finalmente saíram por uma porta lateral e chegaram a um estacionamento. Marék abriu seu carro e pegou um celular no porta-luvas.
- Qual é o número? - Marék estava pronto para teclar.
Foram apenas alguns segundos, mas para Carlos pareceram horas. O tom de chamada se repetiu por cinco ou seis vezes, e Carlos temeu que Lara não ouvisse. Mas ela ouviu.
- Alô! Carlos? – A voz de Lara estava aflita. Marék estendeu o telefone para o novo amigo.
- Lara! Oi Lara! Que bom ouvir sua voz! Onde você está? – Bastava saber o local e ir encontrá-la. Estariam juntos de novo em 15 minutos.
Lara respondeu uma palavra estranha, e Carlos se dirigiu a Marék.
- Ela disse que está em Escrivocrat. Sabe onde é isso?
Marék franziu a testa e repetiu, corrigindo a pronúncia de Carlos.
- Krivoklat? O castelo de Krivoklat?
Lara, que escutava tudo, deu um berro:
- Sim! Isso! Krivoklat!
Marék coçou a cabeça.
- Isso fica cem quilômetro de Cesky Krumlov. Não tem ônibus aqui pra lá – Marék tropeçou um pouco na frase longa.
Lara quis saber onde Carlos estava, e quase desmaiou quando ouviu “Cesky Krumlov” – Lara sabia exatamente onde ficava a cidade, estava na sua lista de desejos tchecos. Só não entendia como Carlos tinha ido parar lá.
- Carlos, eu estou numa excursão. Estão indo para Pilsen. Consegue me encontrar lá? – Lara tentava achar uma solução.
Marék acenou um sim com a cabeça.
- Pilsen mais fácil. Eu levar você a Ceske Buejovice, lá pegar ônibus Pilsen – Marék agora devorava as preposições.
- Lara, te encontro em Pilsen, mas vamos marcar um lugar – Carlos queria evitar mais desencontros. E ouviu Marék e Lara dizerem, quase ao mesmo tempo:
- Na fábrica de cerveja!
Carlos estava apertado no banco do passageiro de um carro azul claro tamanho econômico. Seu amigo e bobo da corte Marék dirigia, rumo a Ceske Budejovice. Se Cesly Krumlov era um adorável ovinho, a próxima cidade era o contrário: capital da região, centro comercial e industrial.
- Carlos, ficar esperto. Pilsen é nome em português. Aqui escreve diferente. É Plzen – Marék dava instruções enquanto dirigia pelo centro da cidade. Carlos prestava atenção, mas se distraiu um pouco quando passaram por uma grande praça quadrada, na qual uma fonte barroca se destacava, jorrando água em frente aos turistas.
Mais dois minutos e Marék estacionou o carro na frente da rodoviária. Desceu do carro e indicou a direção da plataforma para Carlos.
- Lembra, é Plzen. É diferente – Marék insistiu no conselho antes de abraçar o novo amigo, em despedida.
Carlos agradeceu muito a ajuda do esperto bobo da corte e entrou no saguão. Foi até a máquina de bilhetes, clicou na letra P e procurou o próximo horário para seu destino. Comprou seu bilhete, dirigiu-se à plataforma e olhou para cima do para-brisa do ônibus.
- Ahá, não é Pilsen! Obrigado, Marék! – Carlos saboreou sua sabedoria, e embarcou peremptoriamente no ônibus cujo letreiro dizia:
“Písek”
Capítulo 3 - Karlovy hrady (os castelos de Carlos)
Viva sua novela na República Tcheca
O segundo capítulo tem como cenário Cesky Krumlov e Ceske Budejovice, duas cidades da Boêmia do Sul.